sábado, 13 de outubro de 2012

Espécie



Ele nasceu de uma espécie, mas aqueles que o rodeavam o tratavam como
se ele fosse outra coisa. Talvez porque nem eles mesmos se lembrassem
que, um dia, foram uma espécie (e inevitavelmente voltariam a
sê-lo)... Ele foi crescendo e tudo ao seu redor o fazia crer que ele
era uma outra coisa: ele pertencia a uma espécie que não envelhece,
que não sofre, que não tem defeitos, que não precisa de ninguém. E
assim ele foi vivendo. E foi acreditando em todas essas verdades que
ele via, lia, ouvia. Que lhe diziam, que lhe vendiam, que lhe sugavam,
que lhe cegavam. Que ele sen... Não, ele não as sentia. O que ele
sentia era não saber de onde vem o leite que ele toma todas as manhãs,
porque nunca viu uma vaca. O que ele sentia era a ausência de sentir.
Um vazio de não saber. Sentia suas limitações e suas dores, mas as
sentia só. E elas ficavam sós, porque se nem ele as conhecia, como
poderia acompanhá-las?  Ele não sabia o que sentia. Não compreendia o
que lhe acontecia. Ele sentia seu corpo não respondendo como fazia
outrora. Sua avó morreu e seu primo foi seqüestrado por causa de um
tênis. Ele queria uma verdade que explicasse porque as pessoas vivem e
porque existem pessoas que não têm tênis. Mas não a encontrou, porque
nunca aprendeu a procurá-la. Resolveu esperar. Afinal, sempre aparece
uma verdade mais brilhante e completa, e mesmo as verdades comprovadas
cientificamente são substituídas por outras mais verdadeiras e mais
científicas. Elas não chegaram. Não tinha um anúncio ou uma modelo que
pudesse acompanhar a sua solidão. As verdades que apareceram tinham
até mais brilho, mas não lhe davam o que ele queria. Não as encontrou
porque as verdades embaladas que lhes foram vendidas ao longo da sua
vida, as verdades prontas, são para os que nada buscam, para os que
nem o seu desejo é próprio. Ele podia não saber exatamente o quê, mas
estava procurando. E descobriu que nunca encontrará, porque a verdade
não é algo que se busque, mas o próprio ato de buscar. A si, aos
outros, à vida.
E pela primeira vez, sentiu-se ser. Humano.

14 de janeiro de 2008

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