sábado, 3 de agosto de 2013

Que nos desaprisionemos

Não podemos ser ingênuos: alguns, para não dizer todos, policiais são treinados para matar. Não em qualquer lugar, não qualquer pessoa. Mas existem pessoas "matáveis". Existem pessoas que a sociedade deseja que morram. Quantas vezes, desde que comecei a trabalhar com prisões, não ouvi de amigos, familiares, conhecidos: "Mas Leticia, tem gente que merece morrer!" Não foi uma, nem duas, nem três...
Acho importantíssimo que estes policiais estejam sendo julgados. Sim, eles foram condenados. Mas eles somos nós. Ele é a nossa parte que deseja mais prisões, mais punições, que deseja a pena de morte, que deseja o extermínio dos "bandidos". Eles são a parte da sociedade que tem, em algum nível, permissão para matar, por representarem o Estado e seu legítimo monopólio da violência. Se, numa situação de crise, estivéssemos, nós, treinados, armados, numa situação como a do Carandiru, o que faríamos? Se existem policiais que matam, é porque, em alguma medida, nós enquanto sociedade, também desejamos isso...
Quando falo, a todos que conheço, o quanto o meu grande sonho seria o fim das prisões, não é por achar que não existem "bandidos" ou que eles são "bonzinhos", mas por não acreditar na lógica da violência. A violência se retroalimenta a cada ato. E só cresce.
Espero que a condenação destes não seja apenas uma questão política, de uma política que quer livrar a sua cara da responsabilidade que tem, quanto mantém suas polícias como instituição de combate à própria sociedade que ela criou. Que essa condenação possa ser um símbolo de algo inadmissível, que signifique que, de fato, a nossa sociedade não compactua com atos desta natureza.
Que a lógica de "nós" e "outros" se dissipe. Que o ódio de classe e o individualismo que nos levam a olhar só os nossos direitos em relação a nós mesmos se transforme na realização dos deveres que nos fazem olhar ao redor e sentirmo-nos responsáveis pelo mundo em que fizemos e pelas mazelas que existem. Que eu, você e todo mundo, não desejemos mais punição ou mais prisões para os que tiram a nossa paz, a nossa liberdade e a nossa vida, mas que desejemos que, uma vez que todos tenhamos paz, liberdade e vida, a violência não mais exista, por não ser mais necessária.

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