terça-feira, 16 de abril de 2013

Elocubrações desta vida...




A busca de sentido na vida, grande questão existencial desde que o mundo é mundo e que existem pessoas nele, encontrou no consumo um grande aliado: a necessidade de sempre conquistar algo que ainda não se tem, tira a nossa atenção do que somos ou, pior, do que podemos ser. Uma vez que surgem coisas novas, mais modernas, mais bonitas, com mais status a cada dia, o processo de esvaziar-se e de encher-se, mesmo que temporários, constituem ciclos tão rápidos e constantes quanto os movimentos de rotação e translação que a gente até esquece que existem, mas seguimos vivendo, sem pensar, enquanto eles acontecem. O desenvolvimento da ciência e da tecnologia transformaram o temor às forças naturais numa sensação irreal de controle e de negação da morte. Mas, coisas inexplicáveis, sem sentido e incontroláveis, continuam sempre a acontecer, mesmo que tenha havido cada vez mais um deslocamento dessas forças ocultas do vento ou do mar, para a ira ou a indiferença que fazem que, nós mesmos, sejamos os responsáveis pela perda da vida ou pela vida mal vivida, nossa e dos outros.
Quando conquistamos carros melhores, casas maiores, ipods, ipads, iphones, roupas de grife, jóias, por que achamos que somos ou que os outros são melhores? Veja, a questão não é se essas coisas são importantes ou não, se devemos tê-las ou não, nem questiono o desenvolvimento científico que permite que tenhamos objetos que nos oferecem mais conforto, mais beleza, ou qualquer coisa que o valha... A questão que coloco é: por que a posse nos faz sentir superior aos demais, ou superior a nós mesmos numa época anterior de não-posse? Infelizmente, isso não tem a ver apenas com a sociedade capitalista consumista atual, ter é e já foi sinônimo de poder em diversas culturas, em diversos tempos históricos... Mas, isso se potencializa nos dias atuais em nossa sociedade uma vez que não há, teoricamente, um impedimento intrínseco, como houve por castas ou por sangue, que nos impeça de também conseguirmos ter: se você trabalhar, se esforçar, ou então, roubar, matar, ludibriar, falsificar, enganar, é possível ter exatamente os mesmos produtos que sinalizam o seu status, que lhe fazem ter poder.
Enquanto isso, o poder de consumo do nosso país aumentou. Mas aumentou igualmente o número de crimes, de pessoas presas e de presídios... As escolas esvaziadas... Pais que exigem que as escolas cuidem e criem suas crianças pois estão muito ocupados buscando formas de ter... Escolas exigindo dos pais os limites da educação, antes doméstica, que está faltando nessas crianças... Adolescentes que devem ser punidos pois já sabem o que fazem... Idosos isolados pois suas famílias estão muito ocupadas para estar com eles...
O mais próximo que estamos de nós mesmos é do nosso físico: dos regimes e malhação para que tenhamos corpos perfeitos, ou para vivermos com a sensação de inferioridade por não tê-los... Que bom descobrir quais alimentos nos são necessários e saudáveis, que bom desenvolver os músculos que nos dão firmeza e protegem os nossos ossos. Que bom seria se a busca pela saúde na academia não fosse apenas para aqueles que receberam uma recomendação médica...
E então, entre um consumo e outro, alguém morre. Alguém adoece. Alguém te trai. Você fica desempregado. Você é assaltado. Todos os seus amigos casam, menos você. Seus amigos tem filhos, e você não tem nem namorada. Ou você tem carro, casa, emprego, iphone, família, mas sente um vazio que não sabe explicar, e que nada preenche. Seu cabelo não é liso. Um belo dia de sol e você queria ir na praia, mas não é domingo. Seu melhor amigo morre, mas como é amigo e não parente, você não é liberado do trabalho para ir no seu enterro. Mas ele já morreu mesmo, pra que ir?
Pra que viver? Pra quem trabalhar? Por que não questionamos a lógica do mundo ou, mesmo quando questionamos, nos conformamos com a ilusão da impossibilidade de ser diferente?
Por que a sensação de que podemos conseguir ter se nos esforçarmos, se trabalharmos, se roubarmos, é tão importante, mesmo que não possamos sair na rua andando às dez da noite, mesmo que não tenhamos tempo para sorrir, para visitar um amigo, para ler um livro, para brincar com seu filho ou cuidar da sua avó?
Por que mesmo com tantas afirmações de valores éticos, de amizade, de direitos, haja vista todas as belas frases que compartilhamos no facebook, o nosso sentimento de falta, de que alguém nos deve alguma coisa, que o governo nos deve alguma coisa, de que nós já nos esforçamos demais, e estamos cansados, estamos sós, somos muito pequenos diante do sistema, nos retira aquilo que temos de mais real, de mais precioso, que é a nossa possibilidade de ser?

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