A busca de sentido na
vida, grande questão existencial desde que o mundo é mundo e que
existem pessoas nele, encontrou no consumo um grande aliado: a
necessidade de sempre conquistar algo que ainda não se tem, tira a
nossa atenção do que somos ou, pior, do que podemos ser. Uma vez
que surgem coisas novas, mais modernas, mais bonitas, com mais status
a cada dia, o processo de
esvaziar-se e de encher-se, mesmo que temporários, constituem ciclos
tão rápidos e constantes quanto os movimentos de rotação e
translação que a gente até esquece que existem, mas seguimos
vivendo, sem pensar, enquanto eles acontecem. O desenvolvimento da
ciência e da tecnologia transformaram o temor às forças naturais
numa sensação irreal de controle e de negação da morte. Mas,
coisas inexplicáveis, sem sentido e incontroláveis, continuam
sempre a acontecer, mesmo que tenha havido cada vez mais um
deslocamento dessas forças ocultas do vento ou do mar, para a ira ou
a indiferença que fazem que, nós mesmos, sejamos os responsáveis
pela perda da vida ou pela vida mal vivida, nossa e dos outros.
Quando
conquistamos carros melhores, casas maiores, ipods, ipads, iphones,
roupas de grife, jóias, por que achamos que somos ou que os outros
são melhores? Veja, a questão não é se essas coisas são
importantes ou não, se devemos tê-las ou não, nem questiono o
desenvolvimento científico que permite que tenhamos objetos que nos
oferecem mais conforto, mais beleza, ou qualquer coisa que o valha...
A questão que coloco é: por que a posse nos faz sentir superior aos
demais, ou superior a nós mesmos numa época anterior de não-posse?
Infelizmente, isso não tem a ver apenas com a sociedade capitalista
consumista atual, ter
é e já foi sinônimo de poder em diversas culturas, em diversos
tempos históricos... Mas, isso se potencializa nos dias atuais em
nossa sociedade uma vez que não há, teoricamente, um impedimento
intrínseco, como houve por castas ou por sangue, que nos impeça de
também conseguirmos ter: se
você trabalhar, se esforçar, ou então, roubar, matar, ludibriar,
falsificar, enganar, é possível ter
exatamente os mesmos produtos que sinalizam o seu status,
que lhe fazem ter poder.
Enquanto
isso, o poder de consumo do nosso país aumentou. Mas aumentou
igualmente o número de crimes, de pessoas presas e de presídios...
As escolas esvaziadas... Pais que exigem que as escolas cuidem e
criem suas crianças pois estão muito ocupados buscando formas de
ter... Escolas exigindo dos pais os limites da educação,
antes doméstica, que está faltando nessas crianças... Adolescentes
que devem ser punidos pois já sabem o que fazem... Idosos
isolados pois suas famílias estão muito ocupadas para estar com
eles...
O
mais próximo que estamos de nós mesmos é do nosso físico: dos
regimes e malhação para que tenhamos corpos perfeitos, ou para
vivermos com a sensação de inferioridade por não tê-los... Que
bom descobrir quais alimentos nos são necessários e saudáveis, que
bom desenvolver os músculos que nos dão firmeza e protegem os
nossos ossos. Que bom seria se a busca pela saúde na academia não
fosse apenas para aqueles que receberam uma recomendação médica...
E
então, entre um consumo e outro, alguém morre. Alguém adoece.
Alguém te trai. Você fica desempregado. Você é assaltado. Todos
os seus amigos casam, menos você. Seus amigos tem filhos, e você
não tem nem namorada. Ou você tem carro, casa, emprego, iphone,
família, mas sente um vazio que não sabe explicar, e que nada
preenche. Seu cabelo não é liso. Um belo dia de sol e você queria
ir na praia, mas não é domingo. Seu melhor amigo morre, mas como é
amigo e não parente, você não é liberado do trabalho para ir no
seu enterro. Mas ele já morreu mesmo, pra que ir?
Pra
que viver? Pra quem trabalhar? Por que não questionamos a lógica do
mundo ou, mesmo quando questionamos, nos conformamos com a ilusão da
impossibilidade de ser diferente?
Por
que a sensação de que podemos conseguir ter se nos
esforçarmos, se trabalharmos, se roubarmos, é tão importante,
mesmo que não possamos sair na rua andando às dez da noite, mesmo
que não tenhamos tempo para sorrir, para visitar um amigo, para ler
um livro, para brincar com seu filho ou cuidar da sua avó?
Por
que mesmo com tantas afirmações de valores éticos, de amizade, de
direitos, haja vista todas as belas frases que compartilhamos no
facebook, o nosso sentimento de falta, de que alguém nos deve
alguma coisa, que o governo nos deve alguma coisa, de que nós já
nos esforçamos demais, e estamos cansados, estamos sós, somos muito
pequenos diante do sistema, nos retira aquilo que temos de mais real,
de mais precioso, que é a nossa possibilidade de ser?
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